segunda-feira, 31 de outubro de 2022

" inconcepto 28 "

 

fechado/ mínimo/ obscuro/

o canto - remoto - se opõe…

um eu/ que se auto-observa/

nítido/ contundente/ visível/

se conecta/ truncando os sonhos/

se conjuga a um novo caminho/

abandonando impertinências para todas as coisas em si…





herança ancestral, mentira, instinto?

freio moral, reação química, ímpeto?

limite do ímpeto, recôndita emoção, canto puro?

canto impuro, ilusão momentânea, pavor?

deslize racional, práxis, doença pueril, grito?

desejo abafado, fome de desejos, ânsia, apropriação?

destruição?!?!...





discursos sediciosos

se desdobram em velha história

que não cessa - nunca - de se (re)contar!...





esforço - 2002  

domingo, 30 de outubro de 2022

" do cárcere "

 

à mordida traiçoeira da língua que quase confessa

quem há de dizer o asco que lhe assoma

quando, dentre as delatoras trevas, tudo arremessa

e blasfema e grita - bramidos de ódio e revolta?




dos outros homens à cumplicidade agarrado

quanta dor e humilhação havia eu exagerado

quanto clamor no mundo havia eu personificado

se tudo uivava, delirava, destroçava e morria à minha volta?




em meu lamento eu reiterava todos os lamentos /

cuspia em olhos inclementes e bocas estranhas/

sofria sevícias e castigos violentos…




somente o pau-de-arara me libertava na pluridimensão do espaço.

apenas choques elétricos alimentavam minhas entranhas.

nem sei se vomitava muco, sangue, cacos de vidro ou aparas de aço!... 




de tempos - 17.12.2019



sábado, 29 de outubro de 2022

" IV "

 

busco o eterno no transitório,

   serpenteio, galopo, voo,

   perfumo, fecundo, desmorono,

rio, choro, me dou, imploro...




   busco o transcendente no contingente,

reflito meu rosto nos desconhecidos remansos,

sangro coisas eternas e coisas fugazes,

   fico, passo, suspiro, me abraço - malogrado...




e me projeto em espaços frios e mortos,

   e desposo vida e morte além do misticismo,

      e celebro milênios na inconclusão dos minutos...

   em sombras - só - fico:

já não ouço a "canção"

[em desvario!




romanos - 1977




quinta-feira, 27 de outubro de 2022

" rudimento 16 "

 

fitar o espelho 

horas a fio...

bandeirolas nos olhos

dimensões em desafio(s)...

chegar na beira do vidro

e tornar a ver pupilas...

a luz afiada como cimitarra

e milhares de anos-luz na memória...

um olho amargo

(um diapasão irônico?)

a escrutinar profunda emoção…

o desencanto corta como aço da navalha [em ação!...




                esta saudade/ perfilada na janela lírica

            esta saudade/ poetizada no seco desdém

        esta saudade/ dançada no desencantado intelecto

    esta logopéia/ telegráfica/ de vidro

em reflexos d’amaldiçoada íris [além...




fitar o espelho

horas a fio

nos olhos refletido?!?!...

aquém!




(ou além?)




Abdul - 2013


segunda-feira, 24 de outubro de 2022

" fim do mundo? "


andorinha, voa

devagarinho

que a mãozinha

da criança silenciosa/

brutalizada pela vida/

teima em te desenhar, colorir, recortar, colar, amassar,

                     recortar, reconstruir, recortar, encaixar,

                     modelando-te no quebra-cabeças 

                     mais crepuscular que a ficção pode idear…





e o pequeno mestre do mundo etéreo

quer suplantar as nuvens estanques

         transcender conceitos de vida

                                               e morte

                                               abolindo os caminhos cruéis

                                               que conduzem à sobrevivência ou ao aniquilamento…





andorinha, voa devagarinho

sobre as torpes mazelas

da sociedade planetária…

voa sobre pálidas flores voa sobre esdrúxulos horrores voa sobre corpos decompostos voa sobre os antigos encantos do sol intenso [que o desenho - vertiginoso

                                                            no tempo real do átomo - fissurado

                                                            anuncia o porvir d’um mundo - imaculado!





aeróbica - 1989

domingo, 23 de outubro de 2022

" LXXVIII "


a tinta, na tela,

não diz palavras: só faz iluminar feições [impossíveis,

                         manipular ágeis dedos [imprevisíveis,

só faz murmurar austeras belezas [murchas,

       alucinar aquarelas vítreas [conflitantes,

radicalizar sulcos e saliências de mortas naturezas [vivas?...

            há clima celebratório no pastiche!...




tinta, arte querida.

       tinta: estabilidade louca.

pigmentos, símbolos recitados.

           pigmentos: peregrinos exasperados.

traço: sonho malogrado.

       traço, acessório discrepante.

seres e coisas: algemas efêmeras.

        coisas e seres, castigos gozosos.

espetáculo, protesto idílico.

            espetáculo, terror inventado.

luzes e cores, reinvenções atrevidas.

        cores e luzes: inevitável camaleônica escuridão!...




a tinta não sabe se fica na tela.

a tela não sabe se fica na tinta.

só, no rigor do pincel marcial,

a tinta fica: sabotada, 

de textura fria, orgulhosa, mas vilipendiada...

a tela se regozija, vingada!




protagonista - 2001


 

" XLI "

 

amassa, aniquila, despedaça: destruição infligida!...

                                                 do homem, da máquina, da hibridação/

                                                   do sangue, do metal, dos arquétipos/

                                 dos bits, dos bytes, dos músculos, das varizes/

                                         do software, do hardware, do peopleware/

                                                               do high tech, do high touch/

do atrito, dos dínamos, da eletricidade, das chamas, do lead time/

                                   dos atos de um & objetos de desejo do outro/

                                                                 dos corpos supliciados/

                                       dos relés ativos, das coroas dentadas/

                                                  das próteses fixadas ao corpo/

                                                               do poder da máquina/

                                                                 do arbítrio humano/

                                                                        da anti-utopia/

                                                                                            / das vítimas esmagadas…




amassa, aniquila, despedaça: frenesi incontido!...

dos circuitos integrados, da exatidão dos processos/

                                          na normalidade maquinal/

                                    do fetichismo do utilitarismo/

                                                     do papel-moeda/

                                           da forma-mercadoria/

                                       do homem-automação/

                                      da máquina-sensação/

                                                                         / da lógica imbecilizada…




                                 amassa, aniquila, despedaça…

lataria marcada por cicatrizes; 

                                 superfície epitelial laqueada!...




romanos - 1990


sábado, 22 de outubro de 2022

" zumbo 5 "

 

não te diria verdades

!... nem mentiras

vê: minha imaginação é sonora afasia/

infeliz carta/

necromancia!...




não me desvendarias facetas

!... nem idiossincrasias

vê: já vai a minha vida tarde

lutando contra um câncer

em fase terminal!...




não te instigaria silêncio(s)

!... nem inconclusas palavras

vê: enquanto o meu desejo gagueja ânsias,

êxtases e tragédias,

a tua alma incompreende todos os ódios

que consistem minha perversão!...




não!... perdido no meu polêmico mundo teu,

tu [ eu autista ] não te reconhecer-me-ia...

vê: nossa compulsão por enigmas

nos é peculiarmente hostil!...




helicopter - 1980


" xote 6 "

 

monstros que te assaltam

                < pálidas auroras em ruínas >

devastação e antropofagia

dos despojos

do silêncio 

           único




alvas ossadas dos homens

                < e do mundo devorado >

demarcação e epilepsia

de latitudes, catitudes, longitudes e pertitudes

no manso abismo

dos oceanos

           naufragados




minha voz é

          de ausências

meu grito é

          de batalhas

minha atitude é violência

          o oco - do coração - se estraçalha

o tesão me atormenta

          o zênite - em estertor - me amortalha!




bovinas nuvens - em silêncio - são fecundadas...




azul - 1990


sexta-feira, 21 de outubro de 2022

" real time "


agora! 

rito, nirvana, kid's shop

métrica, calúnia, Mac's job

sânscrito, Gaza, Trafalgar Square

anátema, pífio PIB, Thundercats




agora...

Sófocles, clero, anaconda

Bilbao, paródia, mata-borrão

truco, trinca, trincha

Beat, beagle, paranóia




!... agora

vozes, vala, incesto

véu, vielas, arapongas

status, castas, guetos

Paris,  ninfas, body jump




agora:

é hora

surda revolta sonora

universos em fusão

bólides em estertor

esclerosada&pacífica comunhão




Beethoven - 2020


" pouco se me dá "

 

pouco se me dá

ser metalinguística a função

high tech, a insipidez

fática, a conversa

desmontado, o argumento

verbal, a interação

perfeita, a droga/

que dá prazer sem ressaca...

mesmo em coma/ a vida/ se sustenta acordada.

mesmo em sua fluidez distorcidos/ olhos e ouvidos/

se aguçam pela poesia rara.

pouco se me dá... mas... 

<<... que não se pronuncie em imunda boca a palavra "AMOR"!...>>




          pouco se me dá

          meu coração pulsar impecáveis intravenosos artifícios

          coibindo raros e concisos diálogos...

          pouco se me dá!...

imagens manipuladas em absurda disposição plástica/

imagética abstraída em aceleração/ câmera lenta/

primeiro plano/ números/ gráficos/ fusão de cenas/ sinais/

setas/ recortes fora de foco/ objetos/ gestos/ sons musicais/

alados seres de plurais linguagens/ acentuadas angulações/

planos negros/ luz estourada/ 

formasvolumesmassasinteraçõesdeforçasproibidas/

tonalidades soturnas/ amorfias noir/

          atrofiam as palavras que nada significam/

          a não ser pelo patético simbolismo que,

          criando um ambiente nostálgico - quase inatingível,

          lembra algo saído de um sonho kitsh,

          sem ser fútil.




pouco se me dá... mas...  

<<... que não se pronuncie em imunda boca a palavra "AMOR"!...>>

  



London Pub - 1993


quinta-feira, 20 de outubro de 2022

" inconcepto 10 "

 

a sombra do homem

pelo medo ensandecida

voava [ sem ter asas

pelas lacunas da vida

se fazia quadrada

mesmo sendo redonda

se fazia em onda

mesmo estando sublimada

se fazia escrita, oral, visual

culta, de cinema, coloquial,

urbana, catálogo de produtos,

catálogo de serviços, espacial,

formal, insossa, regional




a sombra do homem

da compreensão desinteragida

falava [ sem ter língua

na gramática

[ despercebida…




a sombra do homem/

espichada pelo mundo/

peniana e assonante/

sofria [ sem ter guarida!...




frágil - 2001


terça-feira, 18 de outubro de 2022

" renitência "

 

face lívida - estagnada no momento 

olho vítreo - extrudido em espanto

boca seca - escancarada sob fel

culpa, dolo profundo, tétrico tormento...




momento lívido - na face estagnado

espanto vítreo - no olho extrudido

fel seco - na boca escancarado

solidão, desterro maldito, senso d'um ser [só] - fodido...




sem saída - a luz já não escapa da treva

neurastenia - o tempo não clona mais a vida

gorjeio da morte - cancro estatístico do escroto inútil

borboletas - envenenadas - não transcendem seus casulos...




sem saída: culpa, solidão, neurastenia.

sem saída: dolo, desterro, dor que entedia.

sem saída: tormento, morte, tétrica epifania.

    o galo doido canta a desbotada aurora vermelha 

                              [da lua devorada!...




margem do rio - 1978