terça-feira, 31 de janeiro de 2023

" lacuna 59 "




poesia, eu te inutilizo

             não te maculo com alvas páginas 

             não te desvendo com percepções de rupturas

             não te lubrifico os apêndices de máquina




poesia, eu te nego

             sacralizo tua apoeticidade

             revisito teus vãos discursos

             consubstancio tuas ilexicalidades




poesia, eu te vivo

             eu te morro

em fanopéias [ tantas

                         que te transformo em repto

                                                                 [ natimorto




 avant-garde - 1996





segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

" fragment 53 "



me sinto liberto 

alma sem fronteiras

conjecturas provisórias

das cinzas das horas

me sinto muitos 

me sinto tudo

extravasado em bocados

de ritmos dissolutos

me sinto eu não 

se me procuro

me sinto ubíquo

acumulando tesão




me sinto diferente

mas não oposto

me sinto “sendo”

(des)virado no avesso

                        [ da confusão




 yes, voices - 2013


sábado, 28 de janeiro de 2023

" cianureto 4 "



se houvesse real.

     se houvesse simbólico.

          se houvesse imaginário.

               faz sentido?




mas, ah, existem os corpos...

         não, necessariamente, vivos.

                 mas, ah, existem as metáforas...

                          obviamente sem saber-se lá por quê!




terei algo sub-repticiamente captado?

        trocado as mãos pelos pés?

                     algum fenômeno lacanista incorporado?

                                                ou, simplesmente, abortado?




putz... tudo o que consiste [ agora

                             não perfaz um único testemunho 

                                                              [ maldito!




 praça Adolfo Fonseca - 1982


sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

" missão "



               reproduzir a vida

          nem como arte

     nem como técnica...

formular mistérios!




fixar a luz

     sem originá-la nos antigos deuses

          nem no mito da eucaristia...

               solfejar homens! 




               harmonizar realidade e utopia 

          sem sangue sem lágrimas

     ou bárbaros martírios...

fraternizar metáforas!




transcender toda figura ausente

     sem abordagens reducionistas de nossa própria forma

          sem desagregar-se da comunhão cosmológica...

               “improbabilizar” liturgias! 




rio Tijuco - 1990





terça-feira, 24 de janeiro de 2023

" você rima? "

 

minha poesia quer brincar?

xô, tristeza!

minha poesia tripudia?

luz no céu a estrela-guia.

minha poesia, que pensei perdida?

me faz dançar valsas [ incontido

pelas íngremes escarpas do Wahala.




minha poesia, que me entrecorta a voz?

vê!... nos acolhem as margens plácidas do silente rio,

        nos purificam as águas que mansamente rolam

        como rolam na labiríntica estrada

        as incontáveis pedras [ caotizadas!...




minha poesia quer fazer rimas?

num clarão de lua

numa maldade perpetrada

na manhã que raia

na flor que perfuma

na dor mais profunda

o remorso [ que me cobiça

jamais será minha mortalha!




Veni Creator Spiritus -   1982


quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

" chronos "



tempo, que tempo?

não é cada segundo. é emancipação.

realidade transmutada. esconderijo secreto.

expiação.




o telefone toca na impenetrável madrugada…

tempo, que tempo?

            espera-se o esvair da noite,

                             a ereção dos sonhos,

                             a tempestade bater forte nas lajes,

                             a desarticulação dos fatos,

                             a volatilidade da vida,

                             o predomínio dos abismos [ colossais,

                             alquimias, filosofias e poéticas abusivas…

o tempo, em dimensão psicológica, não se faz de segundos, não!...




que feitiço mais fugaz, que bar mais brega, 

que firula mais ousada, que sinfonia mais exata, 

que outono mais eterno, 

vão descoagular a fluidez dos sentidos [ além?!?!...




tempo, que tempo?

não, o tempo não é metáfora geométrica [ não!...




fevereiro - 1995



quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

" garatujas "

 


é dele/

do gesto/

que brotam ângulos e curvas/

consistências e texturas dos traços/

precipitação ou lentidão dos sentidos/

brutalidade ou leveza de equilíbrios/

caos de maior firmeza

ou

indecisão ...





possa então

este silêncio

de movimentos

soar para os homens

como uma singela superfície impressa de papel

confundida com uma lâmina viscosa d'água

desalinhada por olhos esbugalhados

em fartos raios de sol!





 rua Janaúba - 19.10.2011



sábado, 14 de janeiro de 2023

" LXXIII "



insulto mor

         no teu hálito incrustado

      no beijo mais sinistro

   faz minh'alma dar rodopios...

         os navios se esboroam

      no ancoradouro.

   ouça: o mar encapela

         impossíveis ondas...

      soçobram espumas como oitavas rimadas...

   tolas quimeras?!?!... 

a vida clama paz.




meia noite é lua refletida na neblina/

         poema de Chisoku/

      escama de sereia/

   riso debochado/

         violenta mordida/

      sangue, água adensada e muito sal/

   sargaços - malditos, barbatana de tubarão/

         tripas flutuantes/

      nuvens distantes/

   morte cômica/

         atônita alma/

      minúsculas conchinhas - na areia/

   horizonte - perdido - na linha dos olhos/

templos consumados em recifes de coral!...




lua no mar - 1998


segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

" pedra de quinas 3 "


acordas com cabelos longínquos

e pões olhares no impossível espelho

sem legares um só sorriso

aos confusos elétrons

de nosso segredo?




os sinos soam tão longe

e os arcanjos, em delírio,

despencam em lagos tranquilos...

é a traição do acaso

que nos faz rir?




os pés doridos caminham descalços

e as donzelas, eternamente em dor,

desfolham mimosas flores-de-lis...

são os dissabores da vida

que nos fazem partir?




acordas com cabelos longínquos...

vomitas bílis,

bissetrizes,

sextantes 

e canários-belga,

grávida

[ em desespero!...




tumor doce - 1980


sábado, 7 de janeiro de 2023

" drummondice 7 "

 

eu te quero de quatro

     eu te quero no quarto

          eu te quero de onda

               eu te quero na sombra

                         eu te quero de hoje

                    eu te quero de ontem

               eu te quero de amanhã

          eu te quero de acácia

     de rosa eu te quero

te quero eu, meu jasmim




eu te quero de vida

     de morte eu te quero

          eu te quero de súbito

     te quero em decúbito

na noite - fresca - eu te quero




 eu te quero descarrilada, possessa,

               em pombas-gira incorporada,

          embatendo-se - frágil - contra as vertentes

     estupidamente afiadas/ de mim




eu te quero - toda - assim

     eu te quero só pra mim

          realçada nas voluptuosas dobras de cetim

               eu te quero, só querendo, enfim




dezenove delitos - 1995 


quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

" ode 12 "

 

o som 

      orvalhando entre os dedos

a memória intensa de pedras,

                                 flores e fogo

           o som 

chispa a chispa 

nos raios de sol/

                   sem limites

                   sem marcas

                   sem infâncias!





              o som 

acalentado no fogo

sentido na carne

fluido como a água

inocente de todo rito…





o som

peso antecipado

na gravidade 4G’s dissolvido…





o som

mitigado em impalpáveis lembranças…

inaudível!




ácido mantra Om - 2020


terça-feira, 3 de janeiro de 2023

" speech analysis "

 

atenta!... não há coerência [ simbólica…

todos duvidam de tudo

todos descreem de todos/

                                       / na natureza nada é real ou verdadeiro…

atenta!... ninguém tem participação política [ privilegiada…

quem estrutura o espaço público,

toma as rédeas do cotidiano,

lidera a comunidade?

fragmentando-se a natureza 

não se perfaz um todo…




atenta!... se é discurso, é político!...

se há conjunção efetiva,

reconheça-a em concretudes, ficcionalidades,

temores, dúvidas e novas formas de conhecimento… 

atenta!... modelização científica não é metáfora;

               evidência não consiste verdade!

é preferível se ater ao mito [ mesmo inverossímil

do que consistir uma mise en scéne 

em utopias e frivolidades!... 




coisas de Nelson Thibau - outono/2018